..." A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível."...
..." em alguma estante de algum hexágono (racionaram os homens) deve existir um livro que seja a cifrae o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus. Na linguagem desta zona persistem ainda vestígios do culto desse funcionário remoto. Muitos peregrinaram em busca d'Ele. Durante um século trilharam em vão os mais diversos rumos. Como localizar o venerado hexágono secreto que o hospedava? Alguém propôs um método regressivo: para localizar o livro A, consultar previamente um livro B, que indique o lugar de A; para localizar o livro B, consultar previamente um livro C, e assim até o infinito...As aventuras dessas, prodigalizei e consumi mes anos. Não me parece inverossímil que em alguma divisão do universo haja um livro total ( Repito-o: basta que um livro seja possível para que exista. Somente está excluído o impossível. Por exemplo: nenhum livro é ao mesmo tempo uma escada, ainda que, sem dúvida, haja livros que discutam e neguem e demostrem essa possibilidade e outros cuja estrutura corresponde à de uma escada) , rogo aos deuses ignorados que um homem - um só, ainda que seja há mil anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não são para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, embora meu lugar seja o inferno. Que padeça eu de ultraje e aniquilação, mas que num instante, num ser, Tua enorme Biblioteca se justifique.
Asseguram os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e que o razoável ( e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção. Falam (eu o sei) de " a Biblioteca febril, cujos fortuitos volumes correm o incessante risco de transformar-se em outros e que tudo afirmam, negam e confundem como uma divindade que delira". Essas palavras, que não apenas denunciam a desordem mas que também a exemplificam, provam, evidentemente, seu gosto péssimo e sua desesperada ignorância. Com efeito, a Biblioteca inclui todas asa estruturas verbais, todas as variantes que permitem os vinte e cinco símbolos ortográficos, porém não um só disprate absoluto. Inútil observar que o melhor volume dos muitos hexágonos que administro intitula-se "Trono penteado", e outro "A Cãibra de gesso" e outro "Axaxás mlö. Essas proposições, à primeira vista incoerentes, sem dúvida são passíveis de uma justificação criptográfica ou alegórica; essa justificação é verbal e, ex hypothesi, já figura na Biblioteca. Não posso combinar certos caracteres dhcmrlchtdj que a divina Biblioteca não tenha previsto e que em algumas de sua língua secretanão contenham um terrível sentido. NInguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e temores; que não seja em uma dessaslinguagens o nome poderoso de um deus.Falar é incorrer em tautologias..."
..." Ouso insinuar esta solução do antigo problema: a Biblioteca é limitda e periódica. Se um eterno viajor a atravessasse em qualquer direção, comprovariaao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem:a Ordem).
Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança."
"Ficções" de Jorge Luís Borges
conto: A Biblioteca de Babel
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